Cultura
Se relacionar é uma das coisas mais difíceis para nós, humanos. São muitas as dificuldades para que uma relação possa ser funcional e saudável. Primeiro, porque a forma como geralmente nos ensinam sobre dar e receber amor é distorcida, pois é baseada na nossa cultura e no sistema em que vivemos, ou seja, no machismo e no capitalismo. Aprendemos desde crianças a competir (principalmente nas escolas), a ganhar, a tirar vantagem, a possuir, a controlar, a exigir e, principalmente, a usar ou a ser usado. A nossa história enquanto humanidade é embasada em violência e opressão. Embora exista uma corrente (fundamentalista) supostamente voltada para a solidariedade, essa muitas vezes só é um disfarce para controlar e violentar ainda mais. A corrente humana e coerente só se consolida por meio de muito esforço, sacrifício e resiliência. Como psicólogo sócio-histórico-cultural, observo que é impossível falar de relacionamento sem analisar todo esse contexto.
E nessa lógica vamos cobrando do outro aquilo que muitas vezes nem damos. Porque é assim que o sistema funciona, lucra mais quem tem mais funcionários (provavelmente bem mal remunerados) para obedecer. A escravidão virou a forma como nos relacionamos.
De um lado o opressor e, do outro, o oprimido. Geralmente a pessoa que se anula na relação vai beber da lógica social cristã, na qual somos ensinados a dar sem esperar nada em troca, por uma ótica de amor como entrega, doação de uma única parte. E se for levantar a questão de gênero, o recorte desse amor como compaixão, socialmente, fica por conta das mulheres e, os homens, com o da lógica de lucro patriarcal. Estes, por sinal, trocam seus “amores” com muita facilidade, pois geralmente são relações de uso e nessa lógica criamos dois tipos de perfis, os que usam e os que são usados. Não à toa os ditos narcisistas se dão bem com os carentes de amor, que são tão bem manipulados, ambos têm seus comportamentos embasados no modelo no qual foram educados. Particularmente, eu associo esse funcionamento mais ao social do que aos traços de personalidade. Se pararmos para pensar, é assim que somos ensinados. Felizmente, aos trancos e barrancos as coisas estão mudando (sou otimista?) e estamos mais conscientes dessas problemáticas. Vejo mudanças na arte, na psicologia, mas ainda sinto que o lado que luta por equidade é a minoria, pois, como diria Paulo Freire, o sonho do oprimido é ser opressor.
Faltam mais pessoas que enxerguem o mundo enquanto casa e as pessoas enquanto colaboradores, para que a casa não caia. É preciso mais relações de troca, de solidariedade. O machismo acaba com a lógica de amor como troca, o capitalismo ensina que para um bilionário existir é preciso muitos pobres trabalhando e vários desempregados para justificar a valorização da oferta de salários baixos. Sinceramente, não sei se o ser humano é altruísta o suficiente para outros sistemas, mas é importante debater muito este no qual vivemos e, aprendendo sobre isto, vamos entender melhor os nossos relacionamentos, os nossos adoecimentos e a nossa necessidade de amar diferente.
Por: Artur Seabra – psicólogo |CRP: 17/6855
Revisado por : Samira Jorge