Racismo – Como isso pode afetar sua saúde mental
Segundo a sócio-histórica-cultural, abordagem da psicologia que tem como um dos seus principais teóricos, Vygotsky, o ser humano é um alguém que se desenvolve a partir da sua relação com outro, com o meio em que vive e sua cultura, ou seja, desde pequeno até o fim da vida, o ser humano vai desenvolvendo suas capacidades humanas, sejam cognitivas, físicas, etc. Como fala, escrita, interação social e outras habilidades, a partir da relação com o meio e com algo que o media, onde muitas das vezes será outro ser humano, o mediador. Sendo assim, sua história de vida vai sendo impactada por tudo o que acontece com ele, as experiências, as lições que são ensinadas em casa, na escola e outros locais, os ensinamentos e regras sociais que lhe são ensinados pelos amigos, a sociedade e cultura na qual está inserida (LUCCI,2011).
Dito isso, toda sua identidade será formada a partir dessas relações sociais, experiências, ambientes etc. e consequentemente a pessoa, como um ser, será impactado e irá formar certos conceitos e significados sobre si, seja sobre sua aparência, gostos pessoais, a forma como se ver no mundo, suas qualidades, e muitos outros aspectos. Então, a sociedade constrói e afeta o ser, afeta sua saúde, sua autoestima e sua formação de identidade entre outras características do ser (LUCCI,2011).
Falando de Brasil, vivemos em uma sociedade que historicamente foi colonizada por países europeus, neste processo que houve escravização de pessoas advindas do continente africano, escravizando também os povos indígenas que já ocupavam o país, toda essa ação de colonização foi sangrento, cruel e que moldaram nossa sociedade brasileira até os dias de hoje, deixando marcas profundas e fazendo com que este país se tornasse esse lugar racista, com pessoas negras, indígenas e outras pessoas não brancas, mas nesse texto, iremos focar nas pessoas pretas que são as mais atingidas pelo racismo nesse país(RIBEIRO,2019).
O racismo é um processo de discriminação a um grupo de pessoas pela cor de sua pele, sendo um processo necessariamente histórico, onde houve opressão de um grupo sobre outro, ocorrendo processos de exclusão e nesse caso de escravização. Pessoas negras no Brasil, passam por discriminações mais diretas, como xingamentos e ofensas, mas é preciso entender que é um processo estrutural e está em vários aspectos da sociedade e da vida de pessoas pretas, no mercado de trabalho, nos relacionamentos amorosos, na mídia, e outros lugares, seja por exclusão, seja por estereótipos cruéis e desnecessários que se criaram de pessoas negras, seja pelo simples fato de ser descredibilizado em uma vaga de emprego, tudo isso, pela cor da pele, pelo cabelo e traços e toda a sua história(RIBEIRO,2019).
Agora quero lhe trazer um exemplo, imagine, uma criança negra nasce em uma família que apesar de ter pessoas negras, não têm tanta consciência racial(termo usado para informar que a pessoa conhece sobre questões raciais e como ela afeta pessoas negras), essa família fala o tempo todo como o cabelo crespo dela não é bonito, que deve alisar, o quanto a sua cor e seus traços não são bonitos, o quanto ela não é tão inteligente e que ela precisa se provar e se esforçar muito mais que uma pessoa branca, que ela provavelmente não vai encontrar alguém que se relacione com ela amorosamente e a assuma, e essa criança ouve isso na escola e outros lugares, de acordo com que vai crescendo e se desenvolvendo(RIBEIRO,2019).
Ela também percebe o quanto não tem tantas pessoas pretas em lugares de poder, em cargos importantes no mercado de trabalho, na política, na mídia, mas ela ver pessoas negras o tempo todo mortas no noticiário, em situação de vulnerabilidades sociais ou em cargos de base e pouca remuneração no mercado de trabalho. Enfim, imagine uma pessoa preta crescer em todo esse contexto, sem ter referenciais de beleza, de sucesso, ou acesso a uma educação que a faça refletir e admirar suas raízes, sua história e aparência, sem suporte, apoio ou qualquer ajuda para entender as suas potencialidades, gerando marcas, adoecimento, traumas, possíveis questões de autoestima, de não aceitação da própria pessoa, insegurança e pensamentos de incapacidade, sem falar nos medos e na insegurança pela sua própria vida. O racismo afeta diversos aspectos da saúde mental de pessoas negras e dependendo do quão grave seja essas experiências, as marcas e o adoecimento também poderão ser graves.
Segundo a matéria da Universidade Tiradentes (UNIT), tendo dados do CVV e do Ministério da Saúde:
As chances de um adolescente ou jovem cometer suicídio é 45% maior entre negros. Entre os do sexo masculino, as chances aumentam em 50% se comparados aos brancos também na faixa etária entre 10 e 29 anos. Dentre as preocupações da população, destacaram-se na pesquisa o medo constante de sofrer abuso ou violência policial, medo constante de sofrer discriminação ou preconceito racial e não saber como lidar.
A matéria mostra o quão vulneráveis às pessoas negras se sentem e estão de fato, em risco, em detrimento do racismo, o quanto ele pode acarretar prejuízos psicológicos a vida.
Na mesma matéria da Universidade Tiradentes, também vimos:
Já entre as principais causas associadas ao suicídio entre negros, os sentimentos mais citados são a ausência de sentimento de pertencimento, sentimentos de inferioridade e de incapacidade, rejeição, violência e solidão. O entendimento entre a diferença de tratamento em locais públicos e privados, também é uma das causas apontadas pela pesquisa. Os indicadores também mostraram que muitas das pessoas entrevistadas esperam medidas mais práticas de combate à violência e responsabilização das pessoas brancas, entendendo que o problema racial é uma questão para toda a sociedade. Além disso, traumas, acumulados ou vivenciados de maneira mais intensa, podem desencadear, no longo prazo, transtornos psicológicos em parte da população e afetar a saúde mental. Os especialistas explicam que o estudo feito em São Paulo é uma amostra do que ocorre em todo território nacional.
Nesse trecho podemos ver aspectos importantes serem prejudicados, trazendo prejuízos às pessoas e dificuldades de lidarem com questões tão importantes em si mesmos e na sua identidade, sentimento de incapacidade e inferioridade por exemplo, são aspectos que podem prejudicar no trabalho, estudos, na relação com as pessoas, e outros aspectos.
Por meio da violência, segundo o Atlas da Violência de 2019:
No Brasil em 2019, por exemplo, reiteram que 75,5% das vítimas de assassinato no país eram negras e, na década compreendida entre 2007 a 2017, o percentual de negros vítimas de homicídio crescera 33,1%, com proporção maior nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Pernambuco, e Alagoas.
Como viver em um país onde se sabe que você como pessoa negra pode ser o próximo a morrer? Quando pessoas iguais a você estão morrendo de forma violenta, como não se afetar com todos esses riscos? Como não sentir medo?.
Ainda na matéria da UNIT, com base nos dados da PNAD Contínua 2019, podemos refletir sobre desigualdades baseadas em raça no mercado de trabalho:
A taxa de desocupação foi, em 2019, de 9,3%, para brancos, enquanto que para pretos ou pardos foi de 13,6%. Já entre as pessoas ocupadas em trabalhos informais, o percentual de pretos ou pardos chegou a 47,4%, enquanto entre os trabalhadores brancos foi de 34,5%(2022)
Como ter expectativas de melhorar de vida, ter um bom emprego, se sentir suficiente, capaz, e potente, quando o mercado de trabalho é ainda mais difícil para uma pessoa negras?.
É preciso tratar o racismo com a sua devida importância, entendendo que ele irá afetar diversas áreas da vida de uma pessoa preta, compreendendo assim que é uma questão de saúde mental, então, todos esses aspectos que vimos, podem adoecer e trazer sofrimento para pessoas negras, mas também entendendo que esse adoecimento é trazido por estruturas sociais que foram construídas e precisam ser modificadas. É importante que pessoas pretas passem a se cuidar, a entender-se como pessoa negra e ver suas potencialidades, mas também é necessário que toda a sociedade se mobilize e entenda seu papel nesse combate, é preciso que pessoas brancas se responsabilizem, que entendam seus privilégios nessa sociedade racista, que compreendam e busquem combater essa perpetuação do racismo na sociedade.
O processo de psicoterapia, por exemplo, é um lugar muito importante para pessoas negras entenderem como o racismo a afetaram e como ela pode modificar esse modo de se ver, como lidar com os sofrimentos e dores advindos do racismo, entendendo seu potencial e essa estrutura racista. Promovendo assim, saúde para a população preta, através da psicoterapia. Mas também é um excelente espaço para que pessoas brancas reflitam sobre seus privilégios e seu papel na mudança dessas estruturas racistas, pois, como fala (Davis,1981) “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista”.
Por: Raylton Oliveira – Psicólogo | CRP: 17/7141
Revisado por: Lannesca De Paiva – Licenciada em Letras – Português e Espanhol
Fontes: DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016, 244p.
ESTUDO indica que racismo afeta saúde mental da população negra: Discriminação racial e desigualdade social no Brasil interfere na qualidade de vida e na saúde mental de pessoas negras. UNIVERSIDADE TIRADENTES, [S. l.], p. ., 24 fev. 2022. DOI . Disponível em: https://portal.unit.br/blog/noticias/estudo-indica-que-racismo-afeta-saude-mental-da-populacao-negra/. Acesso em: 27 ago. 2023.
LUCCI, Marcos Antonio et al. La propuesta de Vygotsky: la psicología socio-histórica. 2011.
RIBEIRO, D. PEQUENO MANUAL ANTIRRACISTA. Rio de Janeiro: Companhia Das Letras, 2019.